“Foi a primeira e a última vez”: golpe contra idosa em Maringá escancara violência invisível na velhice
Quando envelhecemos, ainda temos fé no outro. Acreditamos que alguém que chora diante de nós talvez precise, de verdade, de ajuda....

O Brasil envelhece e, com ele, se ampliam as brechas para violências silenciosas. Uma delas — o estelionato contra idosos — se tornou epidêmica. Dados do Disque 100 revelam que esse tipo de crime cresceu mais de 100% em cinco anos. É uma violência que não deixa hematomas visíveis, mas que fere profundamente: a confiança, o senso de segurança, a dignidade. Em janeiro de 2024, em Maringá, uma mulher de mais de 70 anos viveu na pele essa dor, ao cair em um golpe articulado com crueldade meticulosa. O crime deixou um rombo de R$ 405 mil em sua conta — e uma ferida difícil de medir.
A história parece roteiro de ficção. Mas não é. É real, dolorosa e precisa ser contada.
Um encontro encenado
Na manhã do dia 16 de janeiro, por volta das 10h30, a vítima, uma mulher aposentada, deixava um curso na região central de Maringá quando foi abordada por uma mulher nervosa, que lhe pediu ajuda para encontrar um advogado. A mulher dizia que precisava resolver uma questão de herança. Logo em seguida, uma segunda mulher se aproximou, se mostrando solidária e curiosa com a situação. O enredo começava ali.
Enquanto a primeira dizia chamar-se Beatriz, a segunda se apresentou como Sandra. Ambas eram, na verdade, personagens inventadas por A.C.F.S. e S.R., integrantes de uma associação criminosa especializada em aplicar o conhecido “golpe do bilhete premiado”. O método, antigo, mas ainda eficaz, consiste em convencer a vítima a pagar por um bilhete de loteria supostamente premiado, usando argumentos sentimentais, religiosos ou morais.
No caso da vítima, Beatriz afirmou ser testemunha de Jeová e, por isso, não poderia receber o dinheiro de um jogo de azar. Estava disposta a vender o bilhete, premiado com R$ 7 milhões, por R$ 400 mil. A proposta parecia absurda, mas foi habilmente construída. Houve uma simulação de ligação para a Caixa Econômica Federal, em que um cúmplice, com voz masculina, “confirmou” os números do bilhete.
Encantada com a suposta sorte e tocada pela história da mulher humilde, a aposentada decidiu ajudar. Combinaram que cada uma — ela e Sandra — pagaria R$ 200 mil. A vítima, então, dirigiu-se ao banco e fez duas transferências via TED e um PIX, totalizando R$ 405 mil.
A encenação foi além
A aposentada foi conduzida por um veículo branco até a agência bancária. O motorista era E.S.M., outro membro do grupo, que, junto com O.L.S. e R.S.C., prestava apoio logístico à operação. Eles se revezavam na vigilância do local da abordagem, cuidavam do perímetro e coordenavam os deslocamentos dos envolvidos. A encenação durou horas. Houve choro, idas ao banheiro, sugestões de comprar algo para comer, conversas sobre religião. Cada elemento servia para manter a aposentada emocionalmente presa à narrativa. Quando, por fim, ela retornou ao banco para completar a segunda transferência, percebeu que algo estava errado. Mas já era tarde. As duas mulheres desapareceram.
Naquela noite, a vítima não contou nada a ninguém. Foi dormir achando que ainda receberia os milhões prometidos. Somente no dia seguinte, ao conversar com o filho, a suspeita virou desespero. Juntos, foram ao banco tentar reverter as transferências. Conseguiram recuperar R$ 298.585,44. O prejuízo final ficou em R$ 106.424,56 — além da perda emocional incalculável.
O desmonte da farsa
A Polícia Civil iniciou as investigações rapidamente. Com base em imagens de câmeras de segurança e sistema de monitoramento urbano, identificaram dois veículos envolvidos: um VW/Gol prata e um Fiat/Argo branco. Cruzando dados com registros de hospedagem, os policiais chegaram a um Hotel no centro de Maringá, onde os cinco acusados haviam se hospedado de 14 a 16 de janeiro.
As imagens do hotel — capturadas por sensores de movimento — mostravam os réus com as mesmas roupas usadas no dia do golpe. A.C.F.S. e S.R. foram reconhecidas pela vítima, tanto na delegacia quanto na audiência. O.L.S. confessou a participação no crime. R.S.C. e E.S.M. foram identificados como responsáveis pelo transporte e vigilância durante a abordagem. A investigação também confirmou que os acusados haviam vindo de Passo Fundo (RS) para praticar crimes em Maringá.
A sentença
No sentença proferida nesta sexta-feira – 02 de maio de 2025 – o juiz Givanildo Nogueira Constantinov condenou os três réus que permaneceram no processo principal: S.R., O.L.S. e R.S.C.
As penas foram:
S.R.: 3 anos e 3 meses de reclusão em regime semiaberto, além de 70 dias-multa;
O.L.S.: 3 anos, 5 meses e 15 dias de reclusão em regime semiaberto e 70 dias-multa;
R.S.C.: 6 anos e 15 dias de reclusão em regime fechado, sem direito à substituição por pena alternativa, por ser reincidente e possuir antecedentes criminais.
O juiz também determinou o perdimento dos valores bloqueados nas contas bancárias de S.R. e O.L.S., por se tratarem de valores provenientes do crime. Já A.C.F.S. e E.S.M. foram julgados em processo separado e também condenados .
Confiança, essa riqueza frágil
Quando envelhecemos, ainda temos fé no outro. Acreditamos que alguém que chora diante de nós talvez precise, de verdade, de ajuda. E talvez seja isso que mais nos fragiliza — não a idade, mas a generosidade. A vítima não caiu porque era fraca. Ela caiu porque é humana.
“Foi a primeira e a última vez”, disse em depoimento. E completou: “agora, só vou ao banco com meu filho ao lado”. Sua dor não se apaga com a sentença. Mas sua coragem em relatar, depor, reconhecer os autores, seguir em frente — isso não pode ser esquecido.
Não se trata apenas de punir. Trata-se de olhar com mais atenção para quem caminha mais devagar. Proteger a velhice é também proteger o que há de mais puro em nós: a confiança no outro.
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